terça-feira, 12 de junho de 2007

Pendular

Nasce o dia.... ao longe na encosta consigo ver o primeiro raiar do sol. A primeira hora do dia, o primeiro minuto...o primeiro rasgo de vida deste novo amanhecer. Lá em baixo levantam-se desordenados estes seres apressados e ensonados. Lavam a cara rapidamente como quem limpa a alma de um dia passado e morto. Rituais mecânicos e quase coreografados de tarefas banais repetidas uma e outra vez, numa marcha silenciosa de desalinho. Começou a azáfama... o bater de pernas correndo na rua para apanhar os transportes..tac tac tac tac. Os amontoados de gente aguardam agrupados em pequenos nichos de tecto como se buscassem entre si o calor que deixaram na cama.
Apertados entram nos metros, comboios e autocarros ultrapassando em muito a sua capacidade. Lá dentro amontoam-se e esgrimem-se agressivamente por um lugar sentado.
Outros, grupos de caminhantes corajosos invadem as estradas em grandes grupos quando reconhecem a autoridade do verde...outros, ainda que poucos, atiram-se violentamente para o meio fazendo chiar travões e parar carros à sua passagem.....Os cheiros da manhã são toscos e confusos, os fumos densos que enchem de névoa pequenos espaços de território. Desorientados por momentos, páram à espera que o nevoeiro dissipe e seguem novamente o trajecto do seus destinos....
No final, o filme repete....regressam, igualmente apressados em correrias mas mais leves. Com outro ar, mais pesado, mais denso e menos concentrados. O regresso é feito ainda assim mais lentamente.... Alguns dormem e descansam nos transportes que os levam de regresso ao lar......Chegam finalmente a suas portas onde pousam os pertences e termina o nosso campo de visão. O sol morre lá ao longe e dia também....

5 comentários:

Black Ship In The Harbour disse...

Mais intrigante que tudo isso é a nova classe que eu classifico como "Zombies". De headphones nos ouvidos, marcham entre a multidão alheados de tudo, com olhar perdido no infinito...ou estarão apenas a sonhar?

blindness disse...

A banalidade da vida urbana... Quantos sonhos e quantos pesadelos não se escondem em cada monotonia, em cada um dos caminhantes que descreves? Quantas dores, quantas alegrias, quantos sentimentos calados na promessa que todos os dias fazem a si mesmos de modificarem o amanhã... Mesmo que esse amanhã, afinal, seja aparentemente a continuação calada de um ontem. Mesmo que todos os dias, com aquele pôr-do-sol, morram também pedaços de uma esperança vã, mas remanescente. Zombies, sim. Alheados, nunca! Porque às vezes os nossos pensamentos toldam-nos a visão do óbvio e apenas nos deixam vislumbrar a azáfama dos restantes.

Bom texto! É para manter a cadência diária? ;D Abraços.

NoSurprises disse...

Precisamente Blindness...partilhas algumas das ideias que tinha em mente ao escrever o post, ao estilo da própria mecanização do dia a dia....

Patrícia Evans disse...

Lembro-me bem da primeira vez que vi o sol nascer este ano...Lembrei-me que ele nasce todos os dias e senti que criamos tanto, inventamos tanto...e cada vez estamos mais distantes da terra, do sol, das flores...Andamos demasiado tempo do lado de fora!

Anónimo disse...

Proporcionaste-me uma viagem pelas ruelas e calçadas dessa Lisboa que me fica tão longe... e felizmente que assim é!

Fizeste-me recordar cenários e imaginar rostos "and that my friend is poetry".

Abraços